Por Luciane Franquelin Gomes de Souza - Profa. Dra. no curso de Engenharia de Alimentos do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).
Um estudo realizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado em setembro de 2022, aponta que cerca de 828 milhões de pessoas ao redor do mundo não têm certeza se farão a próxima refeição. Atualmente, aproximadamente 125 milhões de brasileiros encontram-se em situação de insegurança alimentar (que não têm condições de se alimentar ou oferecer alimento à sua família), sendo que pelo menos 19 milhões estão passando fome. É o pior momento da história da fome no país.
O acesso a uma alimentação em qualidade e quantidade suficientes é um direito humano. Quando as pessoas não têm esse acesso, há indicação da presença de insegurança alimentar. A pandemia provocou um aumento da parcela da população brasileira que vive nessa situação. Em 2019, 30% dos brasileiros viviam em insegurança alimentar, índice que subiu para 36% em 2021. E, na população mais pobre, o impacto foi ainda maior: nos 20% mais pobres, o percentual subiu de 53% em 2019 para 75% em 2021.
Por outro lado, atualmente no mundo são desperdiçados 931 milhões de toneladas de alimentos por ano, sendo que somente no Brasil, são desperdiçados 60 quilos por pessoa. Alguns estudam apontam que a banana é um dos frutos mais consumidos e produzidos pela população brasileira. Entretanto, possui o maior índice de desperdício, em torno de 50% das bananas produzidas são descartadas. Dentre os graves efeitos do consumo global excessivo, pode-se destacar a diminuição de fontes de recursos não renováveis, a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas. Além disso, o desperdício de alimentos e os elevados montantes de resíduos gerados a partir destas perdas são temas atuais de grande preocupação e mobilização mundial.
As perdas e os desperdícios de alimentos ocorrem nas fases de produção, armazenamento, embalagem e transporte. Cerca de 14 % dos alimentos são perdidos antes de chegar nos mercados varejistas, sendo que em 2019, 17 % de todos os alimentos adquiridos foram descartados. Além disso, o processamento de frutas e vegetais gera uma grande quantidade de subprodutos, como sementes e cascas, representando em média 30% do total de produção, os quais são normalmente descartados como resíduos. Porém, estes possuem em sua composição importantes compostos, que podem estar relacionados a melhoria e manutenção da qualidade da saúde humana.
O desperdício alimentar sobrecarrega os sistemas de gestão de resíduos e amplia a insegurança alimentar, tornando-o um importante contribuinte para a mudança climática, bem como a perda da natureza e da biodiversidade. Por esse motivo é que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12.3 visa reduzir para metade o desperdício alimentar e reduzir a perda de alimentos até 2030.
Diante desse cenário, o engenheiro de alimentos é um dos profissionais mais indicados e qualificados para propor projetos e soluções visando o melhor aproveitamento dos resíduos gerados pelas indústrias de alimentos. Alguns estudos apontam que o uso desses subprodutos como aditivo alimentar tem possibilitado evitar ou retardar a deterioração dos alimentos na forma de antioxidantes, corantes, aromatizantes, agentes espessantes e antimicrobianos, além de contribuir com a crescente demanda dos consumidores por alimentos que contenham menos aditivos sintéticos.
O pó de abacate contendo o seu caroço pode ser utilizado como ingrediente para o desenvolvimento de formulações de alimentos saudáveis, como produtos de confeitaria e panificação. O pó da polpa de coco pode ser aplicado no desenvolvimento de produtos alimentícios, cosméticos e farmacêuticos. Essas soluções, além de agregar valor aos resíduos, possibilitam gerar impacto no âmbito econômico, reduzindo enormemente a quantidade de lixo gerado no despolpamento dessas frutas, e como consequência, também contribuem para aumentar o volume de alimentos disponíveis e reduzir a fome e a insegurança alimentar.
Luciane Franquelin Gomes de Souza - Engenheira de Alimentos formada pela Escola de Engenharia Mauá do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). Mestre em Engenharia Química. Doutora em Engenharia Química. Atualmente é professora dos cursos de graduação de Engenharia de Alimentos e Engenharia Química do Instituto Mauá de Tecnologia.